Monday, January 5, 2009

Vida em comunidade


Esse relato eu escrevi a pedido de uma amiga para ser publicado em uma revista sobre budismo. Ainda não sei se foi aprovado, mas posto aqui no blog para quem tiver curiosidade de ler.
Minha experiência de vida em comunidade não é usual. Não é o exemplo que normalmente as pessoas imaginam, sendo localizada em um mesmo terreno dividido por casas individuais e espaços (como a cozinha, por exemplo) em comum. Minha comunidade era toda a cidade de Alto Paraíso de Goiás, localizada no Cerrado, no coração do Brasil, que por causa de suas distintas características (entre elas a natureza exuberante e a protuberância de cristais) atraí para lá uma legião de místicos e outros peregrinos do caminho espiritual.

Antes de me mudar em definitivo tive experiências gradativas, indo, em cada oportunidade de férias, recompor meus pedaços nesse lugar especial do país. No ano de 2003 me formei como jornalista na PUCRS e num arrombo de acontecimentos e emoções resolvi que era chegada a hora de virar oficialmente um membro da comunidade de Alto Paraíso. Essa decisão, como eu saberia alguns dias depois, geraria conseqüências que aniquilariam por total alguns traços da minha personalidade (carmas).

Mas, como posso dizer que me mudando para um outro município tive experiência de vida em comunidade? Simples, porque em Alto Paraíso todos estão em busca do mesmo objetivo: ascender espiritualmente através do intenso contato com a natureza que lá nos cerca, conhecida como o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. O dia-a-dia nesse local não pode ser equiparado com o de uma cidade comum, assuntos como meditação e novas formas de expressar a espiritualidade estão sempre na pauta do dia de seus habitantes. Lá todos querem de alguma maneira se encontrar, mesmo que os percalços do caminho acabem afugentando algumas almas para um mundo fantasioso e ao mesmo tempo perigoso.

Existem muitas comunidades formais em Alto Paraíso, localizadas em regiões afastadas, outras bem no meio do centro urbano, mas a interação entre elas e os outros habitantes é total. A troca acontece constantemente, assim como a interiorização de alguns indivíduos, que em seu desejo intenso de encontrar a “cura” acaba submergindo para as profundezas da alma. Por causa desse risco, de se perder dentro de sua própria “introspecção”, aprendi algumas duras lições na vida em comunidade. Uma delas foi experimentar a solidão e assim enfrentar a concretização de alguns medos, que acabaram se manifestando de modo “mágico” na minha vida “real”.

Experiências mágicas são relatadas o tempo todo por quem já passou por aquelas terras. Existem uma penca de explicações possíveis e impossíveis para essa predisposição de acontecimentos mágicos. Os místicos acusam a grande quantidade de cristais como o culpado (que explica a antiga atividade de garimpo praticada na antiguidade na região), os filósofos ocultistas falam sobre a influência do paralelo 14 explicados pelo conhecimento da geometria sagrada e os céticos, ditos mais realistas, acham que a massa crítica dos indivíduos é a responsável pela criação desse ambiente um tanto quanto amalucado. Ninguém pode dizer quem está certo ou errado nessa história toda, a minha humilde sugestão é que cada um tire a sua própria conclusão fazendo uma peregrinação.

A convivência com a solidão me revelou muitas características da minha personalidade, que em sua maioria identifiquei como sendo negativas. Além de ter de conviver com as minhas imperfeições também convivia intensamente com a dos outros. O afloramento dessas emoções negativas era facilmente detectável entre as pessoas e a causa estava diretamente ligada a questões relacionadas com a sobrevivência. Mesmo querendo ser livres das regras impostas pela sociedade vigente, mesmo fugindo para o “paraíso”, a questão financeira, a falta de emprego, educação e geração de renda faz com que as pessoas caiam em constantes armadilhas espirituais.

Entre os meses de chuva, que vão mais ou menos de novembro a abril, a situação fica pior, dessa vez o exterior, o cenário, influi diretamente na experiência do indivíduo. Não é pouca chuva, no exagero da minha imaginação sempre comparei as épocas de chuva com o prenúncio do grande dilúvio que alagará todo o planeta! Todos os dias, nesse período gelado, chamado de invernada pelos goianos, o céu amanhece cinza, o turismo cessa e os habitantes entram em conflitos ou se recolhem para suas “cavernas” numa lenta e paciente hibernação dos sentidos.

Porém, quando maio chega e logo mais vem se aproximando os meses de férias, o florescimento é total, refletido tanto na natureza quanto nas pessoas. Chamado de época de seca, esse é outro período muito importante de ser observado. É quando o calor contagia o povo e o palco está armado para as festas, os novos encontros e descobertas. As muitas cachoeiras se tornam playgrounds para aliviar o calor, já que a natureza do Cerrado não se esvaiu, acostumado que está com essas condições e um verde incrível toma conta da paisagem e é um deleite para os olhos mais sensíveis.

Aqui também chegam novas levas de moradores temporários, os turistas, que movimentam a economia local e por alguns instantes o “paraíso” é revelado aos seus peregrinos. É no meio dessa explosão de novas sensações que de repente sentimos que todo o sofrimento anterior parece ter valido a pena, todos se sentem recompensados e a roda da vida voltará a girar quando tudo isso cessar. Novamente as criaturas serão influenciadas pelas estações, muitos eventos se repetirão, algumas novas redescobertas acontecerão, até que mais uma alma se eleve e ceda espaço para um novo personagem na trama vitalícia que é a novela conhecida pelos mortais como Alto Paraíso.

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